quinta-feira, março 24, 2005

Alice no País das Maravilhas

De entre as melhores recordações de infância que tenho (aquelas que comoventemente recordo e que mais me marcaram para o resto da vida), estão as dezenas e dezenas de fins de semana ou dias de férias que passei a vaguear na loja de discos do meu avô materno, situada na Rua Serpa Pinto em Santarém. Numa época em que o vosso modesto escriba ainda não passava de um puto (a descobrir tudo e todos), aquele espaço era um verdadeiro lugar mágico para mim. É mesmo assim. Mágico! Uns tiveram a quinta dos avós, o sótão da casa de família ou o quintal da vivenda de verão. Eu tive a loja do avô.

A loja do Manuel dos Reis Torgal chamava-se FRILUX (de frio e luz). No início, meados da década de 60, começou por ser um estabelecimento focado para a venda de electródomésticos como frigoríficos, torradeiras, candeeiros, gira-discos, gravadores, tv's, etc, etc. Era a época em que meia Santarém se juntava na montra da loja para ver o Benfica do Eusébio na caixa mágica, aparelho (adoro esta palavra) que muito poucos se podiam dar ao luxo de ter em casa. Com o passar do tempo e com a (feliz) massificação do negócio dos artigos eléctricos, o Manuel decidiu-se pelo câmbio de rumo do negócio. Próxima paragem: vender discos. Vender música! Assim criava-se (na minha opinião) a única discoteca minimamente decente para comprar discos em Santarém... e o Manuel passava a ser o Manuel dos discos.

Este breve histórico serve apenas para situar o generoso leitor. É aqui que entro no quadro. Eram os anos oitenta prego a fundo contra a parede de betão contra a qual acabariam por bater e eu, com a minha precoce idade, tinha naquela discoteca o meu parque infantil. É naquela loja, naquela época, que a música entra na minha vida. Mas entra não de uma maneira despretenciosa, sem intenções. Não! Entra de forma maliciosa, viciante e mal itencionada. Afinal estamos a falar da violenta corrupção de um míudo de 6, 7 ou 8 anos. É aí que começa a minha dança com discos, autores, músicas, cd's (bem mais tarde), letras, capas, produtores, concertos, distribuidoras, video-clips, fotos, etc, etc, etc. Basicamente estava aberto o caminho para a criação de um pop junkie. Zero de inocência.

Passava os fins de semana quase que integralmente enfiado naquele espaço. A chatear as pessoas para me deixarem estar atrás do balcão e fingir que atendia clientes, a ouvir discos, a gravar cassetes, ajudar a minha avó a fazer a lista do stock que se tinha de ir buscar a Lisboa, colar os últimos posters nas paredes, ouvir e aprender tudo o que podia com o empregado João e com os amigos dele, que por lá passavam para trocar umas ideias, etc, etc, etc.

Eram os meus tempos de descoberta! Bom ou mau... tudo era novo. E a necessidade era essa mesma. Conhecer tudo o que era novo.

Eram uns tempos em que um cliente punha a loja toda a ouvir o disco que tinha pedido para audição.
Uns tempos onde a Laura Branigan (que Deus a tenha) ainda vendia discos.
Uns tempos em que tremia de medo só de olhar para as capas dos álbuns dos W.A.S.P.
Uns tempos em que gravava cassetes com coisas tão díspares como Ramones, Kim Wild, Zeppelin, Rádio Macau, Barclay James Harvest...
Uns tempos em que o Morrisey dizia que todos os dias eram como o Domingo.
Uns tempos em que os irmãos William e Jim Reid andavam em piloto Automatic.
Uns tempos onde o Bob Geldof queria mudar o Mundo.

Enfim... uns tempos que já não o são.

(Dedicado ao Manuel dos discos e à sua esposa)

1 comentário:

DC disse...

Live Aid - 1985 directamente de Santarém.

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